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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Eu disse que ia escrever isso, e escrevi

Em primeiro lugar quero deixar claro dois pontos:

- sou contra qualquer tipo de ditadura, autoritarismo e sou contra a Direita;

- procuro escrever aqui de forma isenta, desapaixonada.

Posto isso, deixe-me eu começar.

Na transição da ditadura para a “democracia”, a Anistia Ampla Geral e Irrestrita acabou (em tese) com um processo de guerra dentro do Brasil. Eu digo guerra porque, como disse uma colega no twitter, os chamados “subversivos”, os “guerrilheiros” não estavam cometendo nenhum crime, mas sim eram CONTRA um governo que se impôs à força.

No entanto, devemos avaliar que não havia, na época, como não existe até hoje, um consenso acerca de quem era certo ou errado. Simplesmente porque não existe um lado certo ou um lado errado em uma situação como aquela, como uma luta pelo poder.

Vejamos o que aconteceu no Afeganistão nos anos 80. Naquela época os mujahedins eram “guerreiros da liberdade”, lutando contra os russos. Hoje, a resistência iraquiana é chamada de “terroristas” ao tentar expulsar os americanos de sua terra.

Mas o que isso tem a ver com o Brasil pós golpe militar?

O golpe foi apoiado por parte da população, ao mesmo tempo em que foi execrado por parte dos militares.

O que valeu mais, no final das contas, dentro de todo o processo? O que “mandou” mesmo? O dinheiro.

Quem esteve no poder durante a ditadura? O Capital.

Quem está no poder hoje? O Capital.

Qual é a diferença entre as duas épocas? A meu ver, a situação hoje não é melhor do que era antes do golpe ou depois do golpe. A grande diferença é que não há uma conjuntura global como houve em 1968, com a formação de um espírito de revolta e de rebeldia. Hoje, como diz o Skank, a nossa indignação é uma mosca sem asas, que não ultrapassa a janela de nossas casas.

Imaginemos o que aconteceria se hoje surgissem movimentos para tentar derrubar o governo atual, mudar o status quo tão repleto de corrupção? Como seriam tratados esses movimentos? Existe alguma dúvida de que seriam tratados da forma mais dura possível? Não desapareceriam pessoas? Não usariam a máquina do Estado para debelar qualquer tipo de resistência?

A Anistia ocorreu em uma época em que havia um grupo CONTRA o outro, e não um GRUPO FORA DA LEI.

Vejamos o que aconteceu em março/abril de 2003, no cerco norte-americano a Bagdá, no último cinturão de resistência. Em uma manhã, em uma ação integrada com carros de combate, satélites e helicópteros Apache, os norte-americanos aniquilaram uma força de resistência de 50 mil homens. Quantos foram mortos? Quantos foram presos?

Por esses motivos que eu acho estranho hoje tratar o passado como se não tivesse ocorrido uma guerra interna. E também acho estranho conceder indenizações como a do Ziraldo. Acho isso tudo muito estranho. Acho também estranhíssimo alegarem que NINGUÉM concordou com o golpe. É muito estranho mesmo, porque teria sido impossível para qualquer governo controlar uma população inteira que fosse contra ele.

Temos uma página de nossa história para virar, mas não para esquecer. Acho muito interessante avaliar como e porque o processo de transição ocorreu de forma pacífica, e se, de fato, ocorreu mesmo. O mais comum é que finais de ditaduras ocorram de forma violenta, com a vitória do outro lado, gerando um novo processo de beligerância para o futuro. É praticamente o que vimos acontecer na África durante todo o século passado.

Desta forma, acho que rever o processo de Anistia vai acabar punindo militares e policiais que estavam atuando em uma guerra (injustificável), mas não vai punir o PODER que os utilizou como ferramentas. Principalmente porque é, provavelmente, o mesmo PODER que hoje se refestela com a passividade do povo brasileiro.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Agora fiquei sem entender

ESTE POST ESTÁ "EMBARGADO" POR ENQUANTO. ESTOU ESTRUTURANDO O POSICIONAMENTO MAIS CLARO SOBRE O TEMA.
VAI SER POLÊMICO, VAI TER GENTE BRIGANDO COMIGO E ETC.
ACONTECE QUE, COMO NA MAIORIA DOS MEUS COMENTÁRIOS AQUI, A SITUAÇÃO SERÁ DESAPAIXONADA.


"A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à OEA (Organização dos Estados Americanos), de declarar o Brasil responsável pela violação de direitos fundamentais de 62 pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia (1972-1975) e de seus parentes poderá levar o Supremo Tribunal Federal a rever a decisão, tomada em abril, de manter a interpretação sobre a Lei da Anistia e considerar anistiados os crimes comuns, como sequestro, tortura, estupro e assassinato, cometidos por agentes do Estado contra movimentos guerrilheiros e de resistência à ditadura militar"

OK. Então isso quer dizer que a anistia acaba apenas para um dos lados?
Isso é um processo um tanto quanto estranho, porque afinal de contas os dois lados cometeram exageros e violência. Era uma guerra, apesar de hoje, passados tantos anos, essa impressão ter passado.
Mas então como é que fica?



Diploma de Jornalismo

Um engenheiro civil sai da faculdade e é capaz de fazer o quê? Uma casa, mas não um prédio, uma ponte, mas não uma passarela, um galpão, mas não um muro? Não sou engenheiro, mas acredito que um engenheiro civil não sai da faculdade sabendo fazer uma casa e aprende a fazer um prédio "na escola da vida".

O curso de Jornalismo não é assim. É muito raro um egresso de uma faculdade chegar a uma redação pronto para trabalhar como EDITOR, por exemplo. Geralmente chegam às redações aptos apenas à reportagem. E nem para todas as editorias. É muito comum o repórter chegar incapaz de fazer matérias de política, polícia ou esporte. Na faculdade ele não aprende nada sobre o campeonato brasileiro, o COI, a FIA, o campeonato europeu, o regimento do Senado, das assembleias legislativas e o bom e velho organograma do governo brasileiro (lembram das aulas de OSPB?). Tão pouco sai de lá entendendo como funciona o processo eleitoral norte-americano, o mais importante do mundo.
Um aluno egresso do curso de jornalismo geralmente não tem informações precisas sobre um processo judicial, sobre flagrante, inquérito, etc.

E tudo isso fará parte do trabalho no primeiro dia em que ele colocar o pé dentro de uma redação. Falei tolice? Não. Não falei bobagem.

A faculdade de jornalismo não é para ensinar a escrever. Ensina padronização. O aluno DEVE sair do Ensino Médio sabendo escrever muito bem, independentemente da profissão que for escolher no futuro. Ética não é algo que seja exclusividade da faculdade de jornalismo.

O diploma deve ser referência e garantia de que o profissional de jornalismo, o egresso da faculdade, tenha o ferramental total para exercer sua profissão sem ter que aprender tudo na escola das redações.
E se é senso comum (e isso é verdade) que o egresso das faculdades de jornalismo aprendem a ser jornalistas nas redações, o que estão fazendo as faculdades?

Sugestão: tomar quatro anos de noticiário e usar como referência de tudo que um jornalista precisa aprender. Processos eleitorais, campeonatos esportivos (copa do mundo, olimpíada, etc), cobertura de eventos diversos e tudo mais. Digamos que de quatro em quatro anos se fecha o ciclo de cobertura de jornalismo em qualquer canto do mundo. Até mesmo em termos de guerras. Os EUA nunca ficam quatro anos sem uma guerrinha....

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Lula e Assange

"Vamos fazer o primeiro protesto então contra a liberdade de expressão na internet porque o rapaz estava colocando lá apenas o que ele leu. E se ele leu é porque alguém escreveu. O culpado não é quem divulgou, mas quem escreveu a bobagem. Então, que fique aqui meu protesto", afirmou o presidente Lula à imprensa nesta quinta-feira.

Lula está certo e demonstra coragem ao enfrentar a máquina Estatal norte-americana. Mas ele age um pouco tarde.

Por que ele não peitou a Condoleeza Rice quando veio tirar do Brasil os dois pilotos da Excell Aire que mataram quase 200 pessoas ao derrubar o avião da Gol, em 2006?

É mais fácil defender Assange? É tão fácil quanto para um brasileiro que nunca esteve na Antártida dizer “eu não mato focas nem pingüins, eu tenho consciência ecológica”.

Mas é um bom sinal a ação de Lula.

Ele pretende ser uma espécie de embaixador do Capital Estatal e Privado Brasileiro na África, e isso já é peitar os EUA. Mas o que Lula pode fazer de prático no caso de Assange? Tentar manter o site no ar, hospedado aqui e divulgar as cenas absurdas de matanças irrefreadas no Iraque e no Afeganistão?

O presidente Lula é corajoso e mantém a postura com a qual começou algumas contendas no setor comercial. Resta agora meter bronca em alguma ação realmente efetiva, e não ficar apenas na firula, na demagogia, na chamada de protestos.... E ação mesmo como presidente, senhor LULA?

Soltem logo o Assange que nós recebemos ele aqui no Brasil. Tem bastante trabalho a fazer por aqui....

Filho de Rico X Filho de Pobre

O filho do pobre, que é pobre, entra em programa social e aprende a tocar timbal. Aprende a fazer macramê, tiram ele da rua, impedem que se vicie e vire soldado do tráfico. Ensinam ele a ser torneiro mecânico.

O filho do rico vai em escola cara, briga com os pais por um Nike, ganha o Nike. Na escola a professora propõe uma redação questionando a corrupção na cúpula do governo. A professora é demitida. O filho do rico aprende que o mundo é dele, não precisa batalhar emprego e já é diretor de empresa. Aprende rápido que o corte salarial de seus empregados é o dinheiro que compra seu próximo BMW.


Quem precisa participar de programas de conscientização social????

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Crianças e Gramática

Imagine o que se passa dentro da cabeça de uma criança no ensino fundamental quando começa a ouvir coisas como adjetivo, pronome pessoal reto, pronome pessoal oblíquo e etc. Será que isso é fácil de entender?
Em primeiro lugar, as palavras não fazem sentido. Não são de uso comum, não são resultado de "montagens" simples.
Em segundo lugar, a intenção é ensinar como usar a língua ANTES que a criança tenha a usado, e isso pode acontecer normalmente, sem colocar a carroça na frente dos bois.
Já dei aula para crianças de quinta à oitava e costumava trabalhar muito as ideias antes de fazer redações. Passava aula conversando e provocando cada um a falar, organizar suas ideias, seus conceitos, antes de colocarem no papel.
Como jornalista, sempre vi repórteres tendo dificuldade de escrever matérias quando apuravam mal, pegavam menos informação que o necessário. Fui para as salas de aula, lidar com as crianças, com essa experiência em mente.
O resultado foi muito legal e, conversando com outros professores, era comum que concordassem com a ideia de que a gurizada até a sétima ou oitava séries deveriam ler e escrever bastante. Deveriam ganhar uma ótima proficiência textual. No ensino médio (que deveria ter 4 anos) eles aprendem gramática, já com uma noção clara de tudo que está acontecendo.

Talvez por isso estejamos sempre tão mal no Exame de Pisa em Português e em Matemática.
Quem lê mal entende matemática mal....

Como criar mais leitores?

A discussão sobre como lançar novos autores continua rolando aqui no blog e no Twitter. O assunto é interessante. Um ponto que foi levantado esta manhã foi a criação de mais leitores. Desta forma:

"Escritor tem até demais, em cada esquina se encontra um. O problema é arrumar público para tanto autor"

Temos aqui duas ou mais questões interessantes:

1- O Brasil poderia ter mais leitores, mas as escolas não formam esse consumidor?

2- O escritor deveria escrever mais para o público, e não para ele próprio?

3- A indústria, as editoras, estão publicando mesmo?

É comum o candidato a escritor sair por aí na internet buscando informações, dicas de como publicar, como correr atrás de uma oportunidade, etc. As dicas são sempre as mesmas e deixam de lado sempre o fato de a indústria não estar nem um pouco a fim de arriscar ou de ter o trabalho de criar e desenvolver autores. No meio dessa odisseia, o novato vai se deparar inúmeras vezes com anúncios de oportunidades incríveis para ele próprio publicar seu livro.

Empresas especializadas nisso dão a honra do escritor publicar o que ele quiser, como ele quiser e ainda ficar com exemplares para vender a seus amigos, correr de porta em porta e vender em mesas de bares. Uma chance imperdível de mostrar seu valor à sociedade!

Obviamente o autor novato vai ficar feliz da vida com o fato de estar fazendo exatamente o que tantas vezes viu escrito nas dicas de como se tornar um autor de sucesso. Isso porque, afinal de contas, para ele ser escritor não é uma profissão como outra qualquer, e seu texto obviamente não é um produto, não é simplesmente resultado de seu trabalho, fruto de sua mão de obra especializada.

Autores estão por aí, em cada esquina. No entanto, é cada vez mais difícil encontrar alguém que escreva com clareza, de maneira formal e precisa. Autores estão por aí, em cada esquina, e muitos deles publicam histórias cujos personagens principais são escritores vivendo uma fase de crise, etc e etc.

Desculpe se fui ácido agora, mas é que essas dicas de como se virar no mundo da literatura não passam de balela.
Um passeio por sites de grandes editoras brasileiras revela um grande desinteresse em receber originais não requisitados. Algumas delas mantêm há anos avisos de que estão passando por fase de reestruturação e por isso não podem receber os textos. Há anos.
Eu digo que as dicas são balela exatamente porque não seria necessário nenhum tipo de sacrifício ou via crucis caso as editoras estivessem interessadas em autores nacionais para preencher as necessidades de obras temáticas, comerciais.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Caso Bruno

Bruno é condenado a pouco mais de quatro anos de cadeia. A sentença foi por cárcere privado, lesão corporal e constrangimento ilegal. Macarrão, comparsa dele, foi condenado apenas por cárcere privado, com pena de 3 anos. Na sentença, o juiz estipulou a pena acima do mínimo legal por julgar "exorbitante" a culpabilidade da dupla.

O corpo não apareceu, mas acho que ninguém mais tem dúvidas de que a Eliza morreu, certo? Ou alguém acha que ela deve estar surfando com Elvis?

Quatro anos de cadeia por matar alguém após arquitetar (mesmo que mal arquitetado) um plano de homicídio e tortura?

Imaginem se o caso não tivesse ganhado a repercussão que recebeu da mídia e tudo mais? Neste exato momento, é uma das trends no twitter. O Brasil inteiro acompanhou a história.

Se Bruno ficar apenas com essa condenação, em quanto tempo ele estará nas ruas, pegando numa bola? E em quanto tempo vai engravidar outra moça e depois querer dar sumiço?

Fica bem claro que a fama e o dinheiro mexeu com a cabeça do goleiro. Ele achou que poderia fazer o que quisesse, sem problemas.

E vendo uma sentença assim, a impressão que dá é que ele estava certo. Dois anos, no máximo, em regime fechado e depois é só ir para galera...

Reflexões de uma tarde em uma livraria

Duas horas dentro de uma loja da Livraria Cultura, no último sábado, provocaram algumas reflexões ligadas ao tema “lançamento de um novo autor”, que discutimos aqui. Deixa eu ver se consigo jogar tudo neste post.

À primeira vista, as prateleiras centrais, onde os livros ficam com capa exposta para quem entra na loja, estão reservadas para os livros que estão nas listas de mais vendidos. Estas listas estão publicadas em grandes revistas. São livros que foram resenhados em jornais e revistas e citados na TV. Os temas são variados.

Depois você tem as prateleiras temáticas. É lá onde você encontra os livros da moda, como os de vampiro, hoje em dia. E também, no setor infanto-juvenil, os Zac Powers e outras séries. Todos com as capas à mostra e geralmente seguindo tendências.

Depois disso você tem os livros dos quais vê apenas as lombadas em estantes. Lá você encontra centenas de novos autores brasileiros, estrangeiros, etc. É fácil achar grandes nomes nas estantes, pois eles se destacam mais que os títulos nas lombadas. Os desconhecidos ficarão desconhecidos para todo o sempre.

A reflexão a qual eu me refiro é relacionada às prateleiras temáticas. Elas estão, na grande maioria, repletas de traduções. O mercado editorial dos EUA e na Europa trabalham dessa forma, por tendências. E como funciona aqui?

André Vianco entrou na tendência dos vampiros e o Draco, por exemplo, nos livros de fantasia. Tem leitor para isso? É claro que tem. Há espaço para mais gente produzir, porque afinal de contas os leitores correm atrás geralmente de experiências parecidas com as quais eles tiveram nas leituras anteriores. Esse é o motivo das prateleiras temáticas.

Mas como funciona o mercado editorial aqui? Ele procura gente para produzir?

Uma olhada no site da Nova Fronteira, no fale conosco, nos leva a uma mensagem que está lá há uns 3 anos: estão em fase de reestruturação e por isso não estão aceitando originais. A Rede Globo também não aceita originais. Se você conseguir mandar um email com um original para o pessoal que cuida da dramaturgia, vai receber um email de volta deixando claro que ele não pediu seu original e que não vai lê-lo. A Rede Globo, segundo fui informado por uma pessoa daquele setor, tem 250 redatores.

Como foram contratados?

Como as pessoas da direção viram seus originais, se não aceitam originais?

Se a indústria do livro começasse a trabalhar com temas, veria que ela não tem autores o suficiente para fornecer livros para leitores que estão ávidos por entretenimento. Uma olhada nas prateleiras infanto-juvenil mostra que a indústria não está muito interessada em desenvolver sua produção própria. As traduções são extremamente bem vindas.

Acredito realmente que trabalhar com temas poderia ser solução para lançar muitos autores. Como agente literário ou editor, eu vejo um original como uma prova de talento (se houver mesmo o talento), e não como um atestado de que o autor pode escrever apenas aquilo. Muita gente poderia ser contratada para escrever romances desse ou daquele tema, ocupando lugar que hoje é de autores estrangeiros que na maioria das vezes não passam de operários da indústria do livro.

Por isso eu perguntei, em um post anterior, quem era Roderick Thorpe. Ele é o autor de Duro de Matar, um filme que mudou as tendências dos filmes de ação. E quais foram os outros livros que ele escreveu? Isso é indústria cultural, que no final das contas acaba representando emprego, cultura, identidade nacional e uma penca de outras coisas positivas.


Em tempo: a gente viu muito esse trabalho no Brasil com a literatura de autoajuda...

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Tiririca



Pois bem, em recente entrevista, o Palhaço Tiririca, também conhecido como Francisco Everardo Oliveira Silva, disse que não acreditava que seria eleito.
O trecho da reportagem segue abaixo:

O deputado eleito contou que disse à sua mulher, em 3 de outubro, dia da votação, que achava que não seria eleito. "Falei pra minha esposa que eu ia tirar uns 5.000 votos. Porque nós levamos a campanha na brincadeira. Não oferecemos proposta pra ninguém. Achava que a galeria ia levar na brincadeira isso aí".

Segundo reportagem na revista Veja, a campanha de Tiririca custou R$ 3,5 milhões e foi totalmente custeada pelo PR de São Paulo. Em outra reportagem, no R7, a campanha de Tiririca teria custado menos de R$ 700 mil.
Há uma discrepância e uma boa dose de desinformação na história toda. Por que o PR investiu R$ 3,5 milhões na campanha de Tiririca? Por que dizer que a candidatura de Tiririca seria uma palhaçada? Por que Tiririca, que deve ter visto muitas pesquisas de intenção de voto e seu crescimento na preferência do eleitor, teria imaginado que ia receber 5 mil votos?

Fica bem claro que o PR de São Paulo usou a campanha do Tiririca para fazer entrar uma série de candidados graças ao coeficiente eleitoral. Ou seja, os votos de Tiririca empurraram para o Congresso Nacional políticos que talvez não entrassem sem essa ajuda.

Desta forma, creio que a diplomação do palhaço Tiririca não deveria estar na corda bamba pelo fato dele ser ou não analfabeto funcional, mas sim devido à conspiração, à formação de quadrilha que envolveu a sua candidatura. Ele não apenas mentiu quando disse que sabia ler e escrever, mas continua mentindo acerca de sua campanha e do fato de ter sido CONTRATADO para este estratagema. O PR de São Paulo deve responder por qual motivo investiu R$ 3,5 milhões na campanha de um palhaço analfabeto!

Uma coisa é uma ex-celebridade querer arrumar um "emprego" a partir de sua fama, mesmo que já em decadência. Outra bem diferente é um partido político investir R$ 3,5 milhões em uma campanha sem nenhum embasamento político. Ou seja, sem nenhum tipo de embasamento político que não seja a utilização do coeficiente eleitoral em proveito próprio a partir de uma farsa. ((textosecreto@gmail.com para quem quiser receber meus livros))


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Veja também no blog opiniões sobre a crise no Rio, o mercado editorial brasileiro e meus contos. Tem também a crônica Estratégia Scooby Doo

Novos caminhos do tráfico de drogas

Matéria interessante publicada no site www.agenciabrasil.gov.br. Mais tarde, alguns comentários.

Ocupação do Alemão deve tornar tráfico menos violento para manter lucro, diz especialista

Isabela Vieira

Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro - Com a ocupação policial do Complexo do Alemão – esconderijo de grande quantidade da maconha e cocaína vendidas no Rio e de armas contrabandeadas ou roubadas –, o governo espera reduzir a violência na capital fluminense. As apreensões de drogas e de parte do arsenal representaram um duro golpe na organização criminosa que controlava o crime no conjunto de favelas da zona norte da cidade. Diante dos enormes prejuízos financeiros e da diminuição do seu poder sobre a comunidade, a quadrilha deve buscar um novo modo de agir, segundo especialistas. Nessa reconfiguração, assinalam, o tráfico dará menos tiros, mas pode até lucrar mais.

Com a presença dos policiais, o tráfico funciona de maneira mais tímida, com menos gente e sem armas, como já ocorre em favelas com unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Nessas locais, observam alguns pesquisadores, as quadrilhas reduzem a sua estrutura, porque não precisam pagar informantes nem corromper policiais. Além disso, acrescentam os especialistas, elas voltam a atrair os clientes às comunidades. Antes, os consumidores evitavam esses locais por causa dos frequentes tiroteios. Assim, os traficantes economizam no custeio da atividade e, ao mesmo tempo, obtêm mais lucros.

"O tráfico passará a ser mais rentável. Toda aquela fração de recurso disponibilizada para compra de arma e para corrupção é que vai cair. O consumo vai continuar, o número de usuários ainda é o mesmo. Então, a rentabilidade, de forma pulverizada, vai aumentar", afirma Paulo Storani, pesquisador de ciências policiais da Universidade Candido Mendes e ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar.

A economia das quadrilhas com armas e soldados pode variar entre R$ 121 milhões e R$ 218 milhões por ano, segundo estimativas da Secretaria Estadual de Fazenda, baseadas na pesquisa A Economia do Tráfico na Cidade do Rio de Janeiro: Uma Tentativa de Calcular o Valor do Negócio. O documento, publicado em 2008 e revisado no ano passado, estima que as quadrilhas chegam a gastar somente com armamentos R$ 25 milhões por ano.

Somados, o percentual gasto com armas e com a folha de pagamento dos soldados consome boa parte do que é arrecadado com a venda de maconha, cocaína e crack, algo entre R$ 316 milhões e R$ 630 milhões por ano - o equivalente a até 0,2% do Produto Interno Bruto do estado (PIB), mas que pode estar subestimado. Segundo a pesquisa, cada boca de fumo pode arrecadar em média R$ 15 mil por dia na cidade. No caso do Complexo do Alemão, com dez bocas em cada um de suas 17 favelas, o lucro pode chegar a R$ 900 milhões por ano, calculam os pesquisadores.

A Secretaria de Segurança Pública (SSP) considera prematuro falar sobre como o tráfico vai se comportar em áreas pacificadas. "O projeto das UPPs tem apenas dois anos", afirmou, em nota, a SSP. Em entrevistas, o secretário José Mariano Beltrame repete que o tráfico só acabará em qualquer lugar do mundo se as pessoas pararem de usar drogas. "O objetivo das UPPS é trazer o Rio para níveis de violência comparáveis a maiores metrópoles", completa a pesquisa.

Diante das incertezas, o Movimento a Marcha da Maconha aproveita para defender a legalização do uso de drogas ilícitas. "A procura sempre vai existir", diz Renato Cinco, um dos fundadores do movimento. Segundo ele, sem a regularização, a venda no morro, se suprimida, será substituída por outra forma de tráfico, "que continuará sem pagar impostos e nenhum tipo de regra."

sábado, 4 de dezembro de 2010

Estratégia Scooby Doo

De segunda à sexta-feira meu relógio biológico é infalível. Acordo todos os dias às 6h54min.
Isso se estou em Brasília. Se estou em Rondônia, onde também trabalho, acordo antes, devido à diferença de fuso horário. No final de semana, o meu subconsciente me dá uma folga.

No entanto, de umas semanas para cá, não adianta meu cérebro ficar relaxado. Começaram uma obra ao lado de meu prédio, para construir um novo edifício. Antes mesmo da construção ser erigida, prometendo acabar com a boa visão do Plano Piloto iluminado à noite, o barulho se revela uma maldição.

Maquitas, batestacas, serras elétricas e sei lá mais quais máquinas começam um fantástico trovejar, cacarejar ou cracatoar insano já cedo. Penso que os engenheiros que projetam máquinas para a construção civil medem a eficiência de suas engenhocas por decibéis liberados.

Acordei hoje e fiquei olhando para a obra com um olhar que o piloto do Enola Gay deve ter lançado para Hiroshima minutos antes de puxar a alavanca abrindo a barriga do avião.
"Preciso fazer algo", pensei, com o maxilar tenso e uma das pálpebras tremendo. Não eram nem 8h30min e já pensava no risco de um AVC.

Usar o lança-foguetes RPG-7 que ganhei de minha avó na primeira comunhão estava fora de cogitação. Vovó nunca perdoaria o emprego de uma peça de família para uma finalidade tão... digamos, mundana. Com a devida manutenção o presente poderia ser repassado para meu menino mais novo quando chegasse a hora.

Tentar embargar a obra com a alegação de que atrapalha a nascente de um rio! Isso funciona. Com a morosidade de nossa Justiça, levaria um ano e meio para descobrirem que não há rio algum e depois ganharia mais três anos com embargos declaratórios. Mas havia o risco de ter que pagar as sucumbências...

Arquivei a estratégia legal ao lado do RPG-7 de fabricação russa e tratei de rabiscar, sobre a minha prancheta de desenhos ACME uma outra estratégia para interromper ou anular a obra, de uma vez por todas - enquanto aquelas máquinas continuavam com seu matraquear salpicado de concreto e vergalhões.

O que eu precisava? De um motim, talvez. Os trabalhadores negando-se a prosseguir com o trabalho por um motivo que fosse totalmente deles, com o qual eu não tivesse ligação - direta - nenhuma. Nenhum tipo de prova, mas eficiência total. Operários de braços cruzados, máquinas silenciosas e sono tranquilo ao sábado...

Examinando as fotografias aéreas que fiz do canteiro de obras (do terraço de meu prédio) percebi que no meio do terreno havia uma grande poça de lama. Sim, lama.
Daí veio o insight!
Scooby Doo.
Sempre funciona a estratégia Scooby Doo, ainda mais com lama no meio.
Vou criar um MONSTRO DA LAMA que vai apavorar os operários, que vão interromper o trabalho exigindo mais segurança!

Para quem não entende, a estratégia Scooby Doo é aquela que os vilões do desenho animado homônimo sempre utilizam para tirar alguém de algum lugar, geralmente usando fantasmas, monstros e etc. Sempre funciona no desenho, até que Salsicha, Velma, Dáfini, Fred e Scooby aparecem.
Eles comprovam que o fantasma ou monstro ou sei lá o que não passa de uma fantasia e pronto, o plano vai por água abaixo, com o vilão dizendo: "Teria dado certo se não fossem esses malditos garotos!"

Meu monstro da lama pode dar certo e a obra pode ser interrompida. Preciso de quê? Como é um monstro da lama?

Passei horas fazendo desenhos de monstros andrajosos, melequentos e enlameados.
Mostrei para meu guri mais novo e ele riu de todos.
Se não assusta um moleque de nove anos...

Voltemos à prancheta da ACME, em meio à barulheira da obra ao lado, de onde olho ansiosamente para o canto do escritório, onde está guardado o meu RPG-7.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Conto O Doutor (Playboy de agosto de 2006)








Este é o conto O Doutor, publicado na playboy de agosto de 2006, uma edição especial.
A história é de um agente que trabalhava para o SNI durante a ditadura, que é "acordado" para uma missão já no século XXI.


































































































Veja mais sobre:
Souvenir Iraquiano
http://textosecreto.blogspot.com.br/2016/02/espionagem-guerra-e-caca-ao-tesouro-no.html


Fronteira
http://textosecreto.blogspot.com.br/2016/02/uma-operacao-do-sni-no-chifre-da-africa.html

Conto de espionagem: A Jardineira

Dina amarrou todos seus pertences mais uma vez na semana. Cabia tudo em uma trouxa um pouco maior que sua própria cabeça, e era exatamente sobre ela que seria carregada, enquanto a criança menor, com apenas alguns meses ia pendurada às costas e os mais velhos caminhavam usando sandálias feitas de garrafa de plástico. O sol era mais do que quente naquele pedaço do planeta, lembrando o que poderia ser o inferno. Mas Dina era movida por algo mais forte. Algo ignorante e forte, que a demovia da idéia de desistir simplesmente porque não tinha mais nenhuma opção fora continuar tentando ou deitar no solo e esperar a morte. Mas ela havia decidido – movida por aquela força – que deixaria para morrer em outro dia. Talvez amanhã. Mas, decididamente, não naquele dia. Três vidas dependiam dela.

No outro lado do mundo, um plano dava errado. Estupidamente errado pelo simples fato de que o homem branco havia acreditado ser superior ao índio. Pelo menos em inteligência. Mas Deus teria feito todos nós à sua imagem e semelhança, e por isso técnica e teologicamente seríamos todos iguais. E com isso os garimpeiros não haviam contado.

Antes que percebessem que os índios não estavam acreditando que todas as pedras estariam sobre a mesa, o facão desceu, por trás, no ombro do mais jovem, cortando-o até na altura do peito, fazendo o braço tombar para o lado. O barulho do metal cortando pele, carne e osso ardeu no ouvido dos outros dois, e o sangue espirrou por todo lado, enquanto o garimpeiro ferido rodopiou ao cair, misturando estado de choque com a morte pura e simples.

- Entrega tudo! – gritou o índio mais forte, um armário de três portas, sem camisa, com uma cordinha vermelha cruzada pelo peito e uma pistola Desert Eagle niquelada na mão direita. Não era uma arma barata de se trazer de Israel, e não fora tendo muito paciência que Chicão conseguira dinheiro para tanto.

O segundo garimpeiro tombou para trás com mais cinco furos no rosto. O terceiro garimpeiro gritou por todos os santos e começou a soltar o cinto. “Eu entrego! Eu entrego”, soluçava, temendo o pior. Os índios esperaram o homem tirar as calças e remover a pedra gigantesca do meio das nádegas.

- Por isso o homem andava engraçado – disse um dos índios para o Chicão, que mandou o branco correr com o que lhe era de direito. Mas não com aquela pedra que queria roubar. Para o garimpeiro não fora tão ruim assim. Pelo menos não precisaria dividir mais com ninguém.

- Eu sei o que eu quero. E o que eu quero é algo forte. Algo muito forte, para resolver este problema de uma vez por todas. – os metais da farda reluziam, mostrando o que deveria ser uma história de uma carreira militar ilibada, longa e gloriosa. No entanto, toda aquela lataria não representava nada além de uma pilhagem de outros peitos, de outras fardas e outras carreiras militares – e outras pilhagens também. Ou seja, não valia nada sem o cano de uma arma para garantir-lhe a hierarquia. Funcionava sempre assim na África.

À sua frente, o homem branco, praticamente albino, não se incomodava nem um pouco com a história daquela lataria no peito do negro. Já vira muito daquilo naquele lado do Atlântico. Os homens mais armados sempre latiam mais alto, mas não mordiam todos simplesmente porque adoravam ficar cercados por aduladores. O que importava era apenas o pagamento. “Você precisa lavar um pouco suas pedras. Isso vai garantir mais valor. E se tiver mais valor, poderá comprar qualquer coisa... ou pelo menos quase qualquer coisa.”, explicou, arrancando uma gargalhada do africano.

- Você é muito engraçado! Se não fosse tão engraçado eu não confiaria em você. Mas diga o quanto você precisa para lavar uma quantidade suficiente para eu comprar o que eu quiser?”

- O que você me disponibilizar.

- Eu tenho um contêiner cheio. Pronto para você levar.

O vento sacolejou a folhagem e levantou a poeira. Os índios estavam inertes, inabaláveis diante do trovejar das hélices cortando o ar. Eram os donos da terra. Haviam estabelecido suas posses com a força. Era assim que se sentiam.

E como donos da terra, podiam fazer o que quisessem com o que ali desse. E faziam, apesar de não haver lei para isso.

O helicóptero pousou na terra avermelhada e nua do centro da clareira e com o rotor ainda girando os homens brancos desceram. Estes são homens brancos confiáveis, pensou o índio-chefe, mas nem por isso esboçou um sorriso. Os Cinta-Larga não costumam ficar rindo muito, e aqueles índios não costumavam fugir à regra.

- Chefe! - disse o índio.

- Chefe! - disse o branco.

Homem branco e índio trocaram saudações.

- O que temos aí, chefe? Fez tempo bom a semana inteira, não é? Seus homens trabalharam bastante, hein?

- Tempo bom. Trabalho bom. Muita pedra aqui. - o índio chamou o chefe branco para uma mesinha de ferro com uma desgastada logomarca de cerveja no tampo. Depositou uma sacola de pano na superfície e a abriu. - Mil e quinhentas pedras, chefe.

- Meu Deus, chefe! Vocês são umas máquinas mesmo, hein? Isso é que é trabalho! - e dá um tapa com as costas da mão esquerda no braço de seu piloto - se eu tivesse gente competente assim na Capital, hein?

- Tem mais, chefe.

- Mais o quê?

E o Cinta-Larga sorriu, como costumava fazer somente em ano bissexto, abrindo a mão direita e mostrando uma pedra do tamanho de um punho.

O chefe branco estreitou os olhos para vislumbrar melhor a pedra. Nunca vira nada igual. Um sorriso também esboçou-se em seus lábios finos. Fez uma mesura, como se perguntasse “posso?” ao índio.

- O chefe está pagando por isso...

Levou a pedra à altura do rosto. Ainda bruta, apresentava transparências. O chefe branco ainda não sabia que sangue já havia sido derramado por aquela pedra, mas sabia muito bem que muito sangue já fora derramado pelo garimpo como um todo, em toda a sua história. Continuaria sorrindo de um jeito ou de outro. Tudo tem seu preço, não tem?

- Ainda bem que trouxe churrasco e cerveja. Isso merece uma comemoração!

- Isso vale uma picape como a sua, não vale? - perguntou o chefe Cinta-Larga.

- Vale, chefe. Vale. Com ar-condicionado e tudo mais.

O albino havia conferido que realmente havia um contêiner cheio das pedras. Eram centenas, beiravam os milhares. Mas eram diamantes marcados, sem certificados de procedência. Era preciso tirá-los da África para que pudessem valer mais. Vendê-los ali era mais do que tolice, e ele não começara ainda a rasgar dinheiro. O ideal seria enviar para a Europa, onde ficavam os grandes centros processadores daquelas pedras – a indústria de verdade. Organizou tudo dentro de embalagens menores para evitar que os ovos se quebrassem todos na queda da mesma cesta e assim foi. Um esquema organizado há anos – e funcionando infalivelmente – levou as pedras ao Brasil. Vinte por cento delas deixariam de ser suas imediatamente, para ficar nas mãos dos agenciadores. De lá, ficaria livre dos salafrários que queriam se aproveitar do fato de os diamantes de seu cliente não serem tão limpos quanto aparentavam ser. Nesse ponto, começaria outro problema.

Assim como as rosas, as pedras não falam e não reclamam por estarem sufocadas dentro da cueca de alguém. Por isso o sistema era perfeito. Porque as pedras não falam e não aparecem no detector de metais.

O homem caminhava com tranqüilidade apesar dos 500 diamantes grudados em seu saco dentro de uma espécie de fralda. Estavam grudados em seu corpo, como que para lembrar que ganharia uma bolada assim que conseguisse sair do estado com aquilo tudo na virilha.

Era tão ignorante, mas tão ignorante que aquela era sua quarta viagem. E o pior: não sabia que seria a última.

Ele era uma parte de um esquema considerado à prova de falhas. Fazia o transporte das pedras tomando o rumo contrário da fronteira - para onde normalmente levariam algo para sair do país - afastando-as da selva de onde saíra, direto para uma grande cidade do sudeste.

As crianças estavam morrendo rápido. A comida que a Cruz Vermelha entregava chegou mais tarde do que devia. A água salobra já havia dado conta do recado e enfraquecido ainda mais os mais fracos. Dina pensou em chorar, mas sua visão cartesiana do mundo não permitiu. Acotovelou-se no meio dos outros refugiados para chegar perto dos caminhões. E quem não chegasse ali, perto o bastante para pegar a comida?

Agarrou-se ao saco de comida e saiu correndo. Pessoas que estavam mais atrás tentavam arrancar o pacote de suas mãos. Dina mordeu braços para abrir caminho e saiu com gosto de sangue na boca e as costas doloridas de tantas bordoadas. Mas o pacote estava inteiro.

- Aceita um refrigerante?

A aeromoça era uma morena pra lá de normal. Bem diferente do que todo mundo gostaria que fosse uma comissária de bordo. O homem aceitou a bebida - mais uma cerveja preta. Não haveria problema em ir ao banheiro. Nenhuma pedra cairia. Era a sua quarta viagem. Sua experiência era tamanha que não suava, não gaguejava, não olhava para os lados e ainda parara para comprar um best-seller - típico de quem não gosta muito de ver aquela rede de TV interna de aeroporto. Pensava que ainda processaria os caras que faziam aquela programação desgraçada que durava menos de 4 minutos. Aquilo poderia enlouquecer alguém. "É verdade", pensava.

Entrou no táxi e disse o caminho certo, com segurança, para não dar a impressão de ser turista em Belo Horizonte. Costumava pensar toda vez que colocava os pés em Minas Gerais: o que fazem os turistas aqui? Mas ele não era turista e sabia muito bem o que fazer.

A pedra era um pouco maior que o de costume. Para falar a verdade, era bem grande e fazia com que as bolas dentro de seu saco perdessem o paralelismo usual. Mas, como sempre, ele conseguia disfarçar.

Mas no táxi, ele decidiu que bastava e desafivelou o cinto e enfiou a mão dentro da calça, da cueca e tirou a pedra que estava escondida entre sua bola direita e sua virilha. Alívio (você não sabe como é longa a viagem de Rondônia até Minas Gerais).

Somente um produto deixaria o comandante satisfeito, e o albino sabia muito bem qual seria e onde poderia encontrar. Significaria uma viagem a mais, e longa. Mas não queria pensar em mais uma poltrona de avião naquele momento. Seu vôo acabava de chegar no Brasil. Tinha burocracia pela frente: distribuir alguns punhados de dólares na alfândega para liberar os pacotes e depois encontrar o libanês. Esperava não perder tempo ali. Era Brasil, um paraíso tropical, mas estava longe da praia.

- Larga isso. - disse o homem com a pistola na mão direita.

- Por favor, eu não estava querendo fazer nada com isso! É que tava incomodando o meu saco, eu agüentei mais de 12 horas com isso nas bolas...

- Larga, por favor, e vai para aquele lado. - o homem sacolejou a arma para indicar a direção, enquanto observava os primeiros diamantes sendo depositados sobre a mesa.

Ninguém deu atenção para o fato do paralelismo das bolas do saco do mula. Até mesmo porque o mula já estava "passado" para aquele serviço. Só ele não havia percebido que quatro viagens já era demais. Mas percebera que o lado para onde o empurravam estava mais próximo da torneira. Era um mau sinal.

- Tudo bem! Tudo bem, eu não recebo nada dessa vez, pra mostrar que eu sou leal mas só que... - o projétil de 6,35mm entrou precisamente acima de suas fossas nasais. Entrou ali como uma sinusite bem forte, desgraçada mesmo, mas se espalhou rapidamente quando o projétil descambou para a direita, rasgando uma porrada de capilares e encharcando seu cérebro e seu aparelho respiratório externo com sangue. Cambaleou tossiu e já não pensava mais na dor no saco.

Enquanto ele ainda tentava entender o motivo de sua respiração estar tão difícil e sua visão ter ido embora (morreria em um minuto), o autor do tiro fez a pequena pistola sumir no bolso do paletó e pegou a pedra maior, que fora a última a ser depositada sobre a mesa.

- As outras vocês pegam.

Ele nunca enfiava a mão no saco de ninguém.

- Olha o que o filho-da-puta tinha no meio do saco, porra!

O libanês olhava para a pedra quase do tamanho de um punho, trocava o foco do olho direito, da pedra para o funcionário, do funcionário para a pedra: - Isso aqui deve ter incomodado muito aquele pobre coitado.

- É tudo a mesma coisa.

- Tudo a mesma coisa é um caminhão cheio de AK-47.

- Desculpe, mas é tudo a mesma coisa.

O libanês girou o pescoço de um lado para o outro, estalando os ossos da extremidade da coluna vertebral. O especialista contratado pelo albino não piscou, nem modificou a respiração. Apenas olhava para o libanês e o albino, fazendo sua parte numa das partes mais complicadas do processo, que era possibilitar um “escambo” entre os dois proprietários dos diamantes brasileiros e africanos. A idéia era misturar os diamantes, para que, numa análise mais precisa, o albino pudesse sempre passar por um comprador de pedras brasileiras, com procedência comprovada.

- Escutou o que o homem diz... – recomendou o Albino. Ele estava tranqüilo.

- Escutei a merda do seu homem e isso não significa nada para mim - disse o libanês, em árabe. O albino apenas esboçou um leve sorriso de condescendência. - Eu não concordo com seu especialista. Nem eu, nem meio mundo. Nem 98% dos geólogos do planeta.

- Este homem aqui É 99% dos geólogos do planeta.

- Você pode usar este seu discurso com este material que vem da África, essa ralé. Mas isso aqui é diferente. Você sabe que é diferente. A formação geológica é diferente. É de um kimberlito especial de onde saem essas pedras. Olhe as pontas, a coloração, o peso. Isso é um diamante de verdade!

- Você tem razão. É uma pedra e tanto. Chama muito a atenção. Será que é disso que eu preciso?

- Você precisa da camuflagem que uma pedra desta é capaz de lhe dar. Por isso que estou com ela aqui. Porque sou seu amigo.

O albino sorriu, condescendente. Não queria demonstrar a um árabe o que estava pensando. Seria possível? Claro que sim. Basta manter a calma e ficar tranqüilo. Pensou que era como enganar uma mulher, fingir que estava querendo uma coisa e fazer outra. Dizer que não conhecia a fulana e pronto. E parecia estar funcionando.

- Eu fico com a pedra, mas não por este valor. - e tomou a pedra com a mão direita, procurando olhá-la com um falso desdém.

O sistema era simples, apesar da complexidade que envolvia todo o transporte dos diamantes. Consistia em misturar os diamantes africanos com diamantes extraídos no Brasil, forjar uma documentação indicando que todas as pedras eram oriundas de garimpos regulares de Minas Gerais e pronto, o certificado de Kymberley estava na mão. Muitos quilates eram desviados assim de garimpos irregulares, como o de onde viera a pedra do tamanho de um punho que estava agora dentro da maleta do norueguês. E aquela pedra em especial, dentro da remessa que acabara de legalizar, era motivo de extrema felicidade. Não era uma pedra raríssima, tampouco vulgar. Juntamente com quase um quilo de diamantes brutos do oeste africano, poderia ser o suficiente para quebrar a resistência para um pedido muito especial. Precisava ser muito rápido, pois o prazo era apertado. Por isso pegara o Legacy de um amigo e partira novamente para Montreal, após enviar imagens em JPEG da mercadoria. A presença do Volvo na pista do aeroporto demonstrou bastante interesse da outra parte.

- Eu não vou questionar a qualidade do produto dentro desta mala - disse o canadense, apoiando as mãos, cruzadas, sobre a valise - porque sei de onde elas vêm.

- Não. Algumas delas vêm de um garimpo muito especial, no Brasil.

- Conheço as pedras brasileiras...

- Estas foram prospectadas do solo por indígenas.

A frase fez com que o canadense arqueasse as sobrancelhas. As pedras de Rondônia eram conhecidas dentro do métier por serem de qualidade inquestionável, e as medidas e o peso descritos pelo albino ganhavam um outro significado agora.

- Acredito que não seja preciso convencê-lo do valor que tem nas mãos... - disse o albino.

- Não precisa mesmo. - e o canadense fez uma pausa, parecendo pensar duas vezes, e abriu a valise. Levantou a cobertura de feltro negro e viu a pedra, no meio de centenas outras - Presumo que ela já tenha um nome. Ela tem um nome?

- Na verdade não. Mas eu acredito que uma Jardineira seria mais do que conveniente - respondeu o albino, provocando um sorriso no rosto do canadense.

- Sem dúvida, sem dúvida. E acho que esta pedra, esta remessa, é claro, é capaz de abrir para o senhor as portas de um clube seleto.

- Isso seria, sem sombra de dúvidas, fantástico.

- Preciso de apenas 24 horas para negociar com alguns contatos ao sul Rio Hudson, e assim conseguir o que precisa. Somando o transporte de avião até aqui, acredito que sua encomenda estará disponível em Djibut dentro das próximas 48 horas.

- Seria maravilhoso. Mas por que no Djibut?

- Porque lá eu tenho um Antonov para emprestar a você e seu cliente. Penso que vocês dois ficarão ainda mais felizes se não precisarem gastar ainda mais com a aquisição de um Hércules para fazer o serviço, e sei que os seus próprios Antonov estão ocupados em outras atividades ao longo do planeta.

- O senhor está completamente correto. Isto resolve um punhado de problemas logísticos.

- Basta dizer onde e quando é preciso fazer a "entrega".

Dina sentiu-se um pouco mais inútil. Não eram mais três vidas que dependiam dela. Eram apenas duas. Com as unhas sangrando após ter cavado o solo seco, empilhou algumas pedras em cima do que seria a sepultura de sua filha mais nova. Três anos. As outras duas crianças estavam olhando, silenciosas. Não havia muito a dizer entre os refugiados, nada que pudesse acrescentar alguma coisa, que pudesse aplacar a dor. Apenas seguiam em frente.

Depois de depositar a última pedra na pilha de pedras, levantou-se com dificuldades e abraçou as crianças. Quanto faltava para cruzar a fronteira? Não tinha idéia. Apenas olhava adiante, no céu escuro, ouvindo de trás os estampidos de tiros e explosões ao longe. A guerra estava chegando perto, e eles tinham apenas as pernas para leva-los para a segurança do outro lado da linha imaginária que separava a loucura de seu país de uma possibilidade de continuar uma vida digna. Mas ela sabia que os pesadelos continuariam para sempre.

A Diaman era uma transnacional com capital declarado superior muitas vezes ao PIB de praticamente toda a África. Era uma mega empresa que enriquecera, ironicamente, graças à África. Ela dominava uma grande fatia do mercado de diamantes em todo o planeta, fornecendo pedras de todos os tipos e tamanhos para as mais diferentes finalidades que elas pudessem ter, desde jóias ornamentais até aplicações industriais. O lucro era exorbitante, principalmente porque a Diaman trabalhava com diamantes legalizados e também com os contrabandeados. Para a empresa, o protocolo de Kymberley não era nada além de um pequeno incômodo com o qual precisava se preocupar esporadicamente, distribuindo dinheiro dentro de uma extensa rede de corrupção que envolvia diversos organismos internacionais (ou melhor, pessoas dentro destes tais organismos internacionais).

E foi exatamente uma dessas ligações com organismos internacionais que facilitou a negociação para a compensação do custo da Jardineira. Não foi preciso nenhum encontro escuso, secreto, mas apenas um telefonema. Um oficial de alto escalão do Pentágono atendeu o celular e percebeu que precisava de uma linha segura. Estava correndo naquele momento, fazendo seu jogging, e assim foi fácil encontrar um telefone público. Um scramble do tamanho de uma moeda colocado no bocal do telefone e, pronto. A Agência de Segurança Nacional não conseguiria identificar sua voz.

- Preciso de uma Jardineira para um cliente especial.

- Temos alguma dessas no Afeganistão, mas não sei bem...

- A idoneidade deste cliente é inquestionável. - quando o canadense dizia aquilo, queria afirmar que não haveria riscos da encomenda ser usada contra alvos norte-americanos.

- Você acha que é possível remover uma delas sem que ninguém perceba?

- Olhe, tudo é possível no Afeganistão. Mas não sei. Nunca foi vendida uma dessas.

- Martin, em menos de 20 segundos seu celular vai receber um SMS de seu serviço de home-banking. Isso significa que foi feito um depósito em sua conta. Confira.

Não levou 20 segundos, mas apenas 13. Martin consultou com o celular o saldo de sua conta bancária e ficou feliz pelo fato de um dia ter desviado um caminhão com munição 5,56mm para aquele bom canadense enviar ao movimento sérvio. Em menos de 10 anos aquele simples favor o havia transformado em um homem rico. Nos últimos 15 segundos, tornara-se um homem riquíssimo.

- Meu amigo, é só de uma cortadora de margaridas que você precisa?

O sistema Echelon foi considerado durante muitos anos apenas uma lenda, um delírio de teoristas da conspiração. E era essa a grande vantagem do Echelon, o fato de que ninguém acreditava nele.

Apesar do scramble ter disfarçado a voz de Martin, a ponto de impedir que o cadastro de voz que tinha junto à ASN de nada servisse para identificação e rastreamento de chamada, as palavras que proferira no final da conversa fora registrada pelo algoritmo do Echelon. Municiado por centenas de microprocessadores SuperCray, o Echelon identificou "cortadora de margaridas" como o apelido da bomba BLU82B/C130 (os últimos três dígitos referentes ao veículo necessário para seu transporte e lançamento, o avião Hércules C130), conhecida como Daisy Cutter. Ou seja, ninguém no mundo fala Daisy Cuter no telefone sem que alguém levante as orelhas.

O apelido singelo vinha do seu modo de funcionamento. Com quase 7 toneladas de explosivos convencionais à base de nitratos e hidrogênio, a Daisy Cutter era programada para explodir a um metro do chão, lançando uma onda de impacto capaz de devastar tudo dentro de um raio de 500 metros. Era praticamente como um artefato nuclear, mas sem a produção de radioatividade pela sua explosão.

Como o Echelon identificou "cortadora de margaridas" e fez uma relação com a arma das forças norte-americanas, o programa de computador abriu imediatamente um protocolo de verificação de alto nível. Segundo a doutrina sob a qual o Echelon havia sido desenvolvido, este protocolo seria imediatamente verificado por agentes humanos, que colocariam atenção especial sobre o assunto. Mas acontece que o mundo crescera e, com ele, seus sistemas de comunicação. Hoje em dia há internet, celulares, SMSs, mensagens multimídia e um sem fim de meios de enviar e receber mensagens. E as pessoas no mundo inteiro comentavam ainda as notícias que ecoavam pelo planeta, repercutindo, gerando novos dados, novos fatos, websites, foruns de discussão e, enfim, o Echelon precisava de muito mais tempo do que antigamente. Quarenta e nove horas, para ser exato, até que o protocolo deixasse de ser apenas uma suspeita, para que se fizessem novos cruzamentos de dados e avaliações.

Em 44 horas a Daisy Cutter estaria no Dijbut.

As loiras haviam sido contratadas em uma pequena cidade no Rio Grande do Sul e estavam ganhando dinheiro suficiente para, na volta, comprassem seus próprios apartamentos. Era difícil levar garotas como aquelas para a África. O albino desistira de tentar norte-americanas, porque eram racistas demais. As européias eram caras e sem graça demais. As brasileiras pareciam ser desenvoltas o suficiente em vários continentes e caíam no gosto dos líderes africanos: não eram racistas e custavam mais barato.

O coronel tinha o hábito de testar a mercadoria na frente do mercador, e isso não constrangia mais o norueguês, que nas últimas vezes já começava a contabilizar uma certa queda do rendimento de seu cliente. Chegou até a esboçar um sorriso, imaginando o que o coronel diria se ele apresentasse seus números.

- O coronel está demonstrando menos fôlego. Será por causa da idade ou está perdendo o gosto pelo assunto?

Apenas pensou. O homem era um assassino, um animal. Quando despertou do devaneio, o coronel já se aproximava, fechando as calças.

- Muito boas, meu amigo. Vou continuar depois, depois que você me contar se deu certo a encomenda que eu pedi.

- Está como programado. Dentro de duas horas estará liberada no Djibut. Virá em um Antonov e lançará na posição que o senhor apontar.

- Uma Daisy Cutter? Uma cortadora de margaridas? Uma das que George W. Bush jogou em Tora Bora que quase que aplainou o terreno?

- Essa mesma, coronel. E não foi fácil conseguir. Vai custar uma comissão de 25% a mais.

O coronel abriu um largo sorriso, as mãos na cintura, o peito nu, os dentes brancos reluzindo em meio à pele negra. Soltou uma gargalhada infantil, como a criança que conseguiu seu brinquedo. Ele poderia ter feito um cálculo rápido para averiguar quanto economizaria em cartuchos de AK47, mas isso não faria sentido, porque ele não permitia que seus homens usassem outra coisa que não o machete em suas matanças.

- Eu tenho uma Daisy Cutter!!! Quem diria! E só tenho que dizer onde lançar?

- Só precisa passar as coordenadas. Só isso.

- Manimba!!! Manimba! Eu quero a posição dos refugiados. Agora!

O silêncio fez com que Dina acordasse no meio da noite. Por mais distantes que estivessem, os ruídos das explosões e dos tiros sempre causavam apreensão e atrapalhavam o sono. Demorava a acostumar com aquilo. Dina ficava imaginando se os ruídos estariam mais alto ou não, se estavam chegando perto. Mas simplesmente haviam parado.

A matança teria acabado? Ela se levantou e saiu de baixo da barraca, andando lentamente, procurando não fazer barulho. Aguçou a audição. Não dava para ouvir mais nada. A guerra teria acabado? Ela se deixou enganar com a idéia de que tudo voltaria ao normal e que poderia retornar a sua cidadezinha, para as coisas que deixara para trás... mas encontraria o que por lá?

Quando percebeu, estava chorando. Uma lagrimazinha única, solitária, rolando pelo seu rosto. Chorava pelo quê? Motivos não faltavam, mas se não havia chorado ao ver a pequena Tila morta, o que estava fazendo com que chorasse?

Piloto e co-piloto tinham um forte sotaque europeu. Quem conhecesse realmente línguas, diria que havia traços boweres. Estavam apenas os dois no Antonov. O piloto confirmou os dados que recebera pelo iridium. Estavam quase no local, segundo seu GPS. Olhou para baixo.

- Vê algum sinal de uma cidade?

O co-piloto inclinou-se para a janela e contorceu os lábios. Não via luz alguma. Era somente o coração da África.

- Então vamos lá. Jogue essa porra lá embaixo.

O co-piloto desafivelou o cinto e saiu da cabine do Antonov. O avião estava bem estável. Caminhou tranqüilamente até o compartimento de carga, vestiu as luvas para manusear as presilhas da bomba. Não queria ferir as mãos caso algo se soltasse ou rompesse com força.

Não pensou em nenhum momento sobre o que estaria lá embaixo. Ninguém jogaria bombas sobre o nada, sobre coisa alguma, não é? Mas não questionou nada. Apenas soltou a segunda presilha. Faltavam mais duas e o engate.

Poderiam estar querendo devastar uma grande área da floresta com apenas um golpe. Poderia ser isso. Apenas alguns macacos morreriam.

Pensou nisso e sentiu-se leve na hora de puxar o engate. Sete toneladas de explosivos desceram pela porta traseira do Antonov.

Dina caminhava de volta para a barraca pensando que realmente havia uma chance de recomeçar, mesmo que tivesse perdido tudo. Ela era uma mulher forte e tinha duas filhas para continuar com a saga de sua família, para lembrar do seu marido, morto há semanas, um pouco antes de começar aquela caminhada sem fim ao lado de milhares de pessoas.

Havia chances sim. Retornaria para o local onde estava a sua casinha, consertaria o que fora destruído com a guerra e a deixaria pronta para ser novamente um lar. Um lar simples, mas perfeito para ela e suas duas meninas. Daria certo. Tinha que dar certo.

Ela aguçou os ouvidos novamente, tentando ouvir os combates ao oeste... Nada.

Apenas um silvo no ar. Um leve assobio. Vinha de onde?

Do alto...